quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O coração poeta de Janires


Na historiografia da música evangélica brasileira há um seleto grupo de álbuns que se distinguiram por representar uma inovação ou ainda, uma ruptura, um deslocamento de paradigmas tanto musicais quanto de comportamento ou expressão. Poderíamos citar entre outros, o álbum “Drogas Matam” de 1972 dos Jovens da Verdade que com uma temática pra lá de atual e composições brasileiras introduz a música evangélica na temática social de tal forma que do ponto de vista do assunto, ainda permanece contemporâneo e socialmente engajado. Poderíamos citar o próprio “Entrei no Templo” de Ozeias de Paula pelo alcance e representatividade para o povo evangélico a ponto de varar gerações e não se pode omitir impunemente o aclamado e decantado “De Vento em Popa”, álbum do Vencedores Por Cristo, grupo já consolidado que num arroubo de vanguardismo grava um álbum somente com composições nacionais em ritmos brasileiros, algo inusitado e inédito na época (1977) e cuja qualidade recebeu reconhecimento para além dos arraiais evangélicos. Mas por falar em vanguardismo, poucos foram tão ousados quanto o Rebanhão, banda carioca que em 1981 em plena ditadura militar, faz um disco cheio de arrojo e irreverência, chegando algumas vezes à acidez para desvelar a verdadeira face do homem perdido e, ao mesmo tempo, mostrar uma luz no fim do túnel. Era o disco “Mais Doce que o Mel”, primeiro álbum do grupo. E se podemos reduzir o espectro da nossa observação partindo do nível do fenômeno pára o nível pessoal, então não poderíamos achar outro além de Janires Magalhães Manso ou apenas Janires.

Tendo formado uma banda homônima em São Paulo, Janires se uniu a um grupo de jovens músicos e formou o Rebanhão que escreveria seu nome na história da música evangélica. Suas composições chocavam tanto pelo ritmo avançado para os padrões de sua época, quanto pelo conteúdo das letras que atiravam contra a mídia de massa, desgraças sociais, alienação religiosa, problemas de administração pública, poluição do meio-ambiente, entre outros.

Mas a iniciativa não ficou sem resposta. Por conta de sua figura constituir uma ruptura dos padrões evangélicos vigentes (suas roupas eram sempre simples e informais, sua abordagem era despojada de qualquer erudição que afastasse o homem simples da imediata compreensão da palavra, sua linguagem era clara e direta), fora logo boicotada por parte da liderança evangélica que não via toda essa “inovação” com bons olhos.

Outra característica de Janires era a legitimidade de seu envolvimento com o evangelho a ponto de, segundo testemunhos de contemporâneos, mesmo após alcançar notoriedade com seus trabalhos junto ao Rebanhão, poder facilmente ser encontrado pelas praças de cidades pregando e cantando o Evangelho. E não eram shows, era pregação mesmo. Conta Paulinho Marotta, ex-integrante da banda que Janires, quando revistado por um policial dentro de um ônibus, aproveitou a ocasião para falar de Jesus ao policial e aos passageiros e em outro acontecido, fingiu-se de louco para afugentar marginais que importunavam duas moças gritando “Jesus, Jesus!”. Era respeitado por muitas lideranças de diferentes confissões evangélicas e até na ala carismática dos Católicos.

Não possuía muitos bens materiais e conta-se que sempre procurava ajudar alguém com o pouco que tivesse. Tal fato é confirmado quando, após sua morte, todos os seus bens reunidos couberam em duas malas. Vivia da música, de artesanato e impressões em “silk screen”

Em seu passado tivera problemas com drogas, fora preso, mas em duas passagens por centros de reabilitação cristãos tivera contato com o evangelho e na derradeira vez, se decidiria por Jesus definitivamente. A partir daí, escrevera uma história que influenciaria gerações pregando sobre uma liberdade genuína possível só na pessoa de Cristo. O interessante de suas músicas é que nelas eram sempre mostrados os fracassos da sociedade, da política, o fracasso dos valores, do homem desvirtuado de Deus, mas sempre havia, na mesma canção a figura de Cristo, uma mensagem de redenção em contraposição ao fracasso. E pode-se constatar sem embargo que a mensagem era sempre o cerne de suas composições, não obstante ritmo e melodia envolventes, mas sempre submissos à mensagem.

Seu último trabalho com o Rebanhão foi o álbum gravado ao vivo (mais uma raridade para a época) “Janires e Amigos” nos estúdios da Rádio Boas Novas onde aparecem composições de cunho autobiográfico e composições biográficas de homens e mulheres engajados no evangelho como visto nas belas canções: “Baltazar: o artilheiro de Deus” “Helena” (Helena Brandão, atriz conhecida como Darlene Glória) e a comovente “Alex, o Baixinho Voador” (Alex Dias Ribeiro, um dos fundadores do Atletas de Cristo, piloto de corrida).

Janires deixou o Rebanhão e foi para Belo Horizonte trabalhar com o ministério MPC, Mocidade Para Cristo e lá formou a Banda Azul que continua até hoje. Neste grupo, participou do primeiro álbum “Espelho nos Olhos” antes de morrer num acidente rodoviário entre o Rio e Belo Horizonte.

Em contraposição a muitos dos atuais cantores evangélicos de prestígio, Janires viveu e morreu não possuindo muitos bens, comprometido com o evangelho onde quer que fosse, fosse num palco, numa praça, num teatro ou numa rua qualquer.

3 comentários:

  1. Muito bom Wagner!
    Gostei muito de conhecer mais sobre Janires e sobre esse trabalho musical que antes eu desconhecia!
    Das poucas músicas que você me mostrou do Rebanhão pude notar essa peculiaridade nas letras e no ritmo! Adorei! Músicas simples, críticas e reflexivas! Muito legal mesmo!

    Parabéns pelo artigo! Abraços!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Valeu Duda,

    Sinto-me feliz por você ter gostado das músicas. Tenho um hábito (não sei se é ruim ou bom) de sempre dar uma divulgada para antigos grupos ou cantores que produziram música boa a serviço do Reino de Deus e hoje não são mais conhecidos. Fico muito feliz quando vejo jovens interessados nessa história da nossa música evangélica que já deu tantas contribuições à pregação do Evangelho no Brasil.
    Muito obrigado e espero que você descubra e se maravilhe com as e inspirações e mensagens que Deus concedeu em gerações passadas de irmãos nossos.
    Grande abraço

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